sexta-feira, 31 de maio de 2019

Fábula dos Radares.

Trabalhava em meu escritório, quando ouço a campainha e visualizo pela janela Portátil, Fixo e Estático, todos membros da família Equipamentos Medidores de Velocidade.




A hipotética visita da família de Medidores de Velocidade ao blogueiro. Foto: DGT/ES.


Foi possível notar que a indignação tomava conta deles!

Entraram, e logo começaram a falar em tom de desabafo. Disse Portátil:

- Minha família chegou ao Brasil muito tempo atrás, para ajudar a preservar vidas nas vias públicas. Antes nem foto registrávamos o que podia ser motivo de reclamações, mas hoje, estamos bem preparados, se necessário, fornecemos belas fotos a quase um quilômetro de distância.

Na sequencia, emendou Fixo:

- Além de tudo, até ajudo na segurança pública, pois fico o tempo todo lendo placas e caso um veículo roubado, procurado aparece no sistema, posso indicar para as autoridades onde ele passou e elas com inteligência, podem recuperar o bem ou encontrar aquele que é procurado pode algum motivo.

Estático, que estava meio encostado na parede não se aguentou e soltou o verbo:

- De minha parte, cansei de ser objeto de agressões, por parte de condutores que transitam acima da velocidade regulamentada e até mesmo de algumas autoridades que me agrediram e ainda publicaram vídeo na internet, como se isso foi algo comum e correto. Em diversas ocasiões, estava ali de boa, na calçada, no canteiro central e vupt, pancada. Assim não dá!

Concordei com ele e sorri, ao lembrar um fato ocorrido em que um agente político “abateu” um equipamento medidor de velocidade estático e o levou embora como se uma caça fosse. Ao olhar para o Estático, ele disse:

- Você ri, mas aquela ocasião mostrou parte das dificuldades que vivenciamos. Fui contratado para prestar os serviços, pela mesma equipe daquele que me chutou, danificou. Como pode ser possível isso? Se não sou bem vindo, não precisavam me chamar. Hoje em dia, praticamente só trabalho com membros armados de forças policiais, como meu irmão portátil, pois do contrário, o risco é elevado.

Apesar de conhecer os termos da Resolução número 396/2011 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, e notar o quanto Estático estava revoltado, já antevendo a resposta, não pude deixar de comentar, até mesmo como forma de provocar o debate:

- Mas você e o Portátil, para os olhos da população, tem o péssimo hábito de ficarem escondidos junto a defensas metálicas, cabeceiras de pontes, já visualizei em rodovias operadores do Portátil no meio do mato, só a flagrar quem passa um pouco mais empolgado no acelerador. É difícil assim!

Recebi a resposta mais rápido que uma motocicleta esportiva retornando de um passeio no sábado a tarde:

- Peraí! O que diz a regra do CONTRAN quanto ao meu uso? Desde que as placas de regulamentação estejam nas vias, os condutores devem respeitar o limite, e quando não há placas, em especial nas rodovias, não se pode exceder os limites estipulados no artigo 61 do CTB. Não diz lá no CTB também que o motorista deve transitar o tempo todo com atenção e cuidados indispensáveis à segurança no trânsito? Quem acelera mais que o permitido não sou eu. Eu e meus irmãos só registramos o fato.

O Fixo, que estava um tanto quieto, só ouvindo complementou:

- Sabe o que acontece na maioria das vezes? Quase todo mundo sabe onde eu estou, em algumas cidades e rodovias eu recebo uma gravata a indicar que estou ali. O pessoal me respeita, reduz às vezes até demais, com medo que eu vá registrar o excesso. Depois, voltam a acelerar o que querem e mais a frente se deparam com o Estático ou Portátil e ficam bravos. Comigo a coisa é de boa porque me veem de longe, mas com os dois a revolta é grande.

Concordei com o Fixo.

Conheço algumas rodovias federais em que de longe a placa indicativa de “Radar” é possível ser vista a uma boa distância, ainda mais a noite, quando a placa ganha refletividade.


A indicação da fiscalização eletrônica incentiva o condutor a reduzir a velocidade.
Foto: DGT/ES

Diante de tudo o que falaram, enfim perguntei como poderia ajuda-los, qual seria o meu papel nesse processo? E Portátil, como sempre a frente de seus irmãos disse:

- Seria interessante que pudesse nos ajudar a mostrar que não somos nós o problema, somente somos colocados nas vias públicas para incentivar as pessoas a respeitarem os limites de velocidade, algo que coloca em risco a vida delas e também das demais que dividem com elas as vias públicas.

Estático, emendou a fala de Fixo com o seguinte argumento:

 - Portátil e eu, não somos inimigos de ninguém, mesmo se eventualmente alguém nos coloca em condições em que ficamos “escondidos”, se o veículo passa dentro do estabelecido, ainda temos uma tolerância do INMETRO antes de registrar o excesso, nada acontece. Não tem como registrar um veículo que passa por nós dentro desse contexto.

Do alto da experiência de anos nas vias do país, seja com sol, calor, chuva, frio, Fixo destacou:

- Antes de nos apontar como equipamentos do mal, caça-níquéis, quem o fez, sendo oriundo de uma instituição alicerçada na hierarquia, na disciplina, na garantia dos poderes Constitucionais, na lei e na ordem, deveria mandar que seus subordinados avaliassem de norte a sul do país o cumprimento fiel das regras da Resolução 396/2011 do CONTRAN. Caso encontrassem situações em que nosso posicionamento está errado, equivocado, que mandasse cessar a operação. As pessoas em seu íntimo sabem que ajudamos a preservar vidas, quantas não evitaram ser desperdiçadas com nossa presença? Por qual razão pedem nossa presença nas vias ou de nossas amigas lombadas quando o risco de acidente existe ou foram vítimas de um?

Enquanto Fixo falava, Portátil e Estático concordavam, quando Estático interrompeu e pediu:

- Irmão, conta aí aquilo que você sempre registra e fica ainda mais chateado.

Fixo, fez uma pausa, tomou fôlego e falou:

- Em meu dia a dia nas vias, pelas minhas lentes e sensores passam veículos com mensagens contrárias a desvios de condutas, de apoio às operações de investigações, cobram mudanças. Acho isso ótimo, necessário em um país como este, mas por qual razão então são tão contrárias à nossa presença nas vias? Somos parte de um processo das mudanças que tanto querem, e também de preservação da vida. Temos a consciência de que no dia que todos tiverem um comportamento melhor nas vias, de respeito, enfim estaremos fadados a MetaReciclagem, mas com a sensação do dever cumprido.

Para tranquilizar meus ilustres visitantes, relatei que no país há grupos de profissionais comprometidos em mostrar que o posicionamento do mandatário está equivocado, que no mundo inteiro a fiscalização eletrônica de velocidade cumpriu, e continua cumprindo papel importante na preservação da vida, sendo inclusive um dos pilares da Década de Ações para a Segurança Viária.

Também apontei que há o entendimento de que antes de se efetivar a retirada dos equipamentos das vias, seja realizada a avaliação do total cumprimento das regras de sinalização, limites regulamentados, para evitar supostas “pegadinhas”.

Por fim, também os recordei que para muitos, a fiscalização eletrônica de velocidade com o uso deles, Fixo, Estático e Portátil é a mais justa das formas de fiscalização, pois somente aqueles que transitam em excesso de velocidade são autuados.

Mas antes que fossem embora, fui obrigado a alertar que contra eles havia um fator preponderante chamado eleitor.

Disse que para ocupantes de cargos eletivos, é mais fácil apontar o dedo para um equipamento, para uma situação, do que realmente admitir que somente com a mudança de comportamento das pessoas é que tudo pode mudar, seja no trânsito ou em qualquer outro ramo da convivência em sociedade. 

Expliquei ainda que infelizmente, poucos são os que tem consciência de levar para a sociedade a real informação, explicar os motivos da adoção de procedimentos ou sistemas, e o pedido para que equipamentos medidores velocidade ou lombadas geralmente acontecem após pedido da própria população. 

Eles agradeceram a atenção, pediram desculpas por eventuais excessos no desabafo e saíram.

Ainda assim, quando Estático, sempre ele, colocou o tripé na calçada, quase foi atingido por um cidadão que conduzia um Equipamento de Mobilidade Individual Autopropelido – EMIA em velocidade acima do permitido, mas esse tema fica para outra ocasião!


AVISO

Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência

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