Antigamente era comum quando se comprava um veículo, anúncios dessa forma. Diziam respeito a um veículo com supostamente todos os opcionais, mas, um deles, quase sempre um dos mais essenciais, ar condicionado ou direção hidráulica não estavam presentes naquele modelo.
Via completa implantada na rua da Penha em Sorocaba e rede cicloviária em Sorocaba.
Utilizamos uma analogia automotiva para tratar de um tema que na realidade vê o veículo automotor como algo que pode ser dispensado da dependência que temos hoje.
Na sexta-feira (22) participamos na Câmara Municipal da
Audiência Pública - AP que tratou a respeito da revitalização da área central
de Sorocaba.
A motivação do encontro foi à implantação do conceito de
ruas completas na Rua da Penha, coração do centro da cidade, e que causou
insatisfação em parte dos usuários da via, pela alegada ausência de informação
em torno de como se daria a ação.
Havia a informação na imprensa e que foi veiculada de que
seria um teste com início no dia 16/FEV e finalizado no dia 05/MAR.
Fato é que durante entrevista do titular da pasta de
Mobilidade e Acessibilidade, concedida a uma emissora de TV e depois para a
Cruzeiro FM, houve a informação de que no sábado havia sido registrada a passagem
de 2 mil pedestres naquele trecho da via no período de uma hora, e que os
estabelecimentos ali instalados teriam que se adaptar a uma nova realidade pois
a fase agora é de privilegiar o pedestre.
Quase uma semana após essas falas, em que parte delas foi ratificada
durante a Audiência Pública, uma publicação do ITDP nos indica que no dia
19/FEV, 1440 pedestres transitaram no local durante uma hora, com a passagem de
420 veículos no mesmo período, com a menção de cerca de 60% das pessoas chegam
de ônibus ao local, segundo dados da Prefeitura.
Somos favoráveis a medida, de fato é uma tendência mundial,
a Lei da Mobilidade Urbana do país assim estabelece o privilégio do transporte
coletivo e do meio não motorizado em detrimento do transporte individual, mas
no entanto alguns pontos nos chamam a atenção.
Infelizmente a Audiência Pública que seria o caminho para
tirar dúvidas não possibilitou isso, pois a palavra foi dada praticamente o
tempo todo ao titular da pasta, que diante de ter retornado de uma edição do
Fórum Paulista de Secretários e Dirigentes Públicos de Trânsito e Transportes,
realizado na cidade de Marília, não apresentou um relato com dados mais
específicos da situação, como o período da avaliação dos tais 2 mil pedestres
no sábado, apresentou apenas um vídeo com a fala do Presidente da ANTP, Ailton
Brasiliense, apoiando a medida.
Durante a AP, por exemplo, se disse tanto que o foco agora é
no pedestre, mas se exaltou a atuação de integrantes do Setor de Engenharia e
Operacional do órgão de trânsito que retiraram os balizadores da via para que
no pico do estabelecimento de ensino existente na via o trânsito viesse a fluir
melhor.
Se a intenção de fato é testar, colocar em prática ainda que
temporariamente uma situação que se pretende implantar em definitivo no futuro,
seria essa uma atitude talvez equivocada.
Vale destacar que o estabelecimento de ensino existente na
via tem 65 anos só naquele endereço e possui um volume considerável de alunos
nos três turnos, um indicador esse que a implantação da via completa no trecho
é um tanto delicada.
Outro ponto interessante é notar que se fala em mudar as
formas pelas quais as pessoas realizam seus deslocamentos pela área central,
com a eventual futura implantação de bolsões de estacionamento ou estacionamento
rotativo regulamentado no centro expandido da cidade, ou mesmo com o uso do
transporte coletivo.
Ocorre que para viabilizar essas ações é necessária toda uma
revisão das condições das calçadas na área central da cidade, pois há trechos
com calçadas bem ruins, inclusive em vias com o sistema de estacionamento
rotativo já implantado. No mês de NOV/18 uma Tia minha foi vítima de uma dessas
imperfeições na calçada e teve uma clavícula fraturada.
De outra banda, entendemos que a ação tão propagada no
centro da cidade como de vanguarda, encontra um contraponto importante dentro
do tema mobilidade urbana na cidade, mais especificamente em relação a
mobilidade ativa com o uso de bicicleta.
Sorocaba nos últimos anos se destacou no cenário nacional
como a “capital da ciclovia”. Até pouco tempo atrás, seus mais de 120km de
extensão da rede cicloviária era maior do que a existente em algumas capitais.
Hoje o que se observa é que o investimento nesse modal está
paralisado, alguns pontos das ciclovias apresentam imperfeições, já ocasionaram
quedas de alguns usuários e talvez o golpe mais duro no modal bicicleta foi a
retirada da ciclofaixa existente na Rua Paes de Linhares, a qual ligava a Zona
Norte da cidade com a Zona Industrial e possuía uma demanda considerável de
usuários.
Quando ela foi retirada, houve o argumento de que era
inadmissível que aquele dispositivo tomasse parte da via, que deveria servir
para as pessoas se deslocarem com mais tranquilidade, beneficiar a fluidez, e
hoje o que se tem por lá são vagas de estacionamento onde antes havia a
ciclofaixa.
Na esteira de perdas para os usuários das bicicletas, os
quais são essenciais para contribuir com melhores condições de trânsito, de
meio ambiente, tivemos as intervenções na Avenida Itavuvu, com o argumento das
obras para a implantação do Sistema BRT na cidade.
As obras propriamente ditas nem haviam começado, mas os
primeiros a sentir os efeitos delas foram os ciclistas com a implantação de
tapumes no leito da ciclovia, nos pontos em que futuramente devem existir
estações do BRT.
Será que não haveria uma forma de permitir que os ciclistas
transitassem na avenida sem perder o espaço segregado à eles destinado?
São Paulo, capital do Estado mostra que durante a greve dos
caminhoneiros e também com os problemas no elevado da Marginal Pinheiros muita
gente deixou de utilizar o veículo automotor e migrou para a bicicleta, sendo
esse um caminho benéfico, sem volta, mas por aqui, parece que a “magrela”
perdeu prestígio.
De acordo com dados do CEBRAP apresentados durante a série “Em
Movimento” no canal GloboNews, 31% das viagens de ônibus e 40% das viagens de
carro poderiam ser feitas de bicicleta, gerando uma economia de até 34 milhões
de Reais no SUS e evitaria 18% das emissões de carbono, números que mostram o
quão benéfica é a bicicleta para o ambiente urbano.
Infelizmente em 2018 o número de ciclistas mortos em
Sorocaba foi o mais alto desde 2012, pode ser que em razão disso o modal tenha sido
preterido no momento, mas torcemos para que dentro dessa nova proposta de
deslocamentos na cidade, com prioridade para pedestres, os usuários das
bicicletas sejam lembrados como foram no passado.
Quanto às vias completas, que dentro das possibilidades
técnicas e de atendimento à população, venham a privilegiar realmente os
pedestres, sem eventuais prejuízos para moradores e comerciantes.