Tempos atrás, uma determinada montadora/importadora de veículos motorizados de duas rodas chegou a ser conhecida pela alcunha de Funerai, diante de tantas vítimas fatais que eram usuárias de seus veículos.
Era um reflexo de uma época em que o registro e licenciamento dos ciclomotores estava a cargo dos Municípios, e que portanto não o faziam pela falta de recursos, condições para isso.
O registro e licenciamento de ciclomotores pelos Estados ajudou a colocar ordem no trânsito de tais veículos. Imagem: internet.
Determinada situação durou até 2015, quando enfim uma alteração promovida no Código de Trânsito Brasileiro - CTB com a edição da lei número 13.154, restabeleceu a ordem e transferiu para os Estados essa atribuição, algo natural, a medida que eles já realizam tal função nos Departamentos Estaduais de Trânsito.
Quando isso veio a ocorrer, alguns meses depois, quem acompanhava as publicações especializadas em motociclismo, se deparava com inúmeras montadoras chinesas entre as marcas com maior número de veículos emplacados, reflexo da obrigação que não era realizada até então.
Isso foi positivo pois colocou um pouco de organização e regras e com veículos regularizados, a possibilidade de receber uma sanção por um comportamento indevido, incentiva o respeito.
Muitos ainda tem dúvidas em relação ao que é um ciclomotor, para isso, é preciso realizar uma breve introdução:
A luz do Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, ciclomotor compreende o veículo de duas ou três rodas, provido de
um motor de combustão interna, cuja cilindrada não exceda a cinqüenta
centímetros cúbicos (3,05 polegadas cúbicas) e cuja velocidade máxima de
fabricação não exceda a cinqüenta quilômetros por hora. É importante destacar que através de Resolução, o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN também equiparou ao ciclomotor, veículos com motor elétrico.
Nesse
sentido, o conceito abrange apenas um tipo de ciclomotor, e não utiliza como
critério para diferenciação o peso, mas cilindrada e velocidade máxima.
Desde então, alguns projetos de lei buscam modificar tal situação, com propostas como isentar de habilitação, registro e licenciamento, o veículo abaixo de determinado peso, até um novo termo foi criado para isso: ciclomotores leves.
Tais projetos não vingaram, até que no processo de revisão do CTB, iniciado com o PL 3267/2019, o assunto volta a tona, com a proposta de retornar para os Municípios a obrigação de registrar, licenciar e habilitar o condutor do ciclomotor.
Argumenta o legislador na justificativa do projeto de lei que é injusto
que usuários dos ciclomotores tenham que se
submeter ao pagamento de taxas, licenças e emplacamento para circular, tal qual
motos e carros.
Ocorre que a despeito das
alegações apresentadas, elas não se sustentam tendo em vista que os condutores
de tais veículos, assim como os demais, estão suscetíveis a causar ou serem
vítimas de acidentes de trânsito.
Como é de conhecimento amplo,
os acidentes com veículos de duas rodas lideram as estatísticas de mortes e
feridos graves no trânsito brasileiro, e por mais que se queira desvencilhar
durante o processo de debate legislativo o ciclomotor da motocicleta, o que de
acordo com a definição do Anexo I do CTB proporciona isso é uma sutil diferença
de dez quilômetros por hora, para os casos de manutenção dos cinqüenta
centímetros cúbicos de cilindrada.
Muito
se disse no tocante a justificativa da viabilidade da proposta, a respeito da
velocidade reduzida, curtas distâncias, deslocamentos para o trabalho dentro de
bairros ou pequenas cidades, entretanto, não se atentou o legislador que tal questão, notadamente em relação aos veículos providos de motor
elétrico, já está pacificada pelo Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN
através da Resolução número 465/2013.
A
Resolução em comento estabelece que não se equipara ao ciclomotor a bicicleta
dotada originalmente de motor elétrico auxiliar, bem como aquela que tiver o
dispositivo motriz agregado posteriormente à sua estrutura, sendo permitida a
sua circulação em ciclovias e ciclo faixas, atendidas as seguintes condições:
- Potência nominal máxima de até 350 Watts;
- Velocidade máxima de 25Km/h;
- Serem dotadas de sistema que garanta o funcionamento do motor somente quando o
condutor pedalar;
- Não
dispor de acelerador ou de qualquer outro dispositivo de variação manual de
potência;
- Estarem
dotadas de:
a) Indicador de
velocidade;
b)
Campainha;
c)
Sinalização noturna dianteira, traseira e lateral;
d)
Espelhos retrovisores em ambos os lados;
e) pneus
em condições mínimas de segurança.
- Uso
obrigatório de capacete de ciclista.
Portanto, de acordo com a Resolução para transitar sem a necessidade de
registro, licenciamento ou habilitação existe o ciclo elétrico, que como não
são considerados veículo automotores, independem do cumprimento de regras
inerentes a eles e sem a necessidade de uma nova classificação para o
ciclomotor.
A
despeito da argumentação de que a grande maioria dos usuários são pessoas de
baixa renda, incapazes de cumprir as exigências apresentadas no ordenamento,
esse público não deixa de estar imune aos riscos que a condução de um veículo
automotor representa.
Ainda
que conceitualmente a velocidade máxima permitida para o ciclomotor não exceda
a cinqüenta quilômetros por hora, velocidade essa que reforçamos, os riscos de
lesões graves e até mesmo óbitos são elevados, lembrando que em caso de
atropelamento, por exemplo, a 50Km/h, 55% (cinqüenta e cinco por cento) dos
pedestres ficam feridos, 45% (quarenta e cinco por cento) morrem e apenas 5%
(cinco por cento) saem ilesos.
O
atual código internacional de doenças – CID utilizado para catalogar as vítimas
de acidentes não contempla os ciclomotores, apenas motocicletas e seus
passageiros, portanto o número de óbitos do modo de transporte se encontra entre as mais de
doze mil e trezentas vítimas fatais em veículos de duas rodas.
Nesse
sentido, retornar a situação anterior é algo inadmissível, e que irá
representar economia para o usuário, no entanto, com custos altíssimos para a
sociedade no quesito saúde pública e previdência social.
O
apelo desses produtos junto à população de baixa renda é muito forte, e
necessita de uma atenção especial, pois sua utilização está aumentando a
cada dia (tanto que quando uma delas transita por nós, já não nos causa
espanto), e o risco de acidentes nas ciclovias, nas localidades em que elas
existem aumenta na mesma proporção.
Ademais,
novamente reforçamos que o impacto de uma dessas “bicicletas motorizadas” com
um ciclista comum ou mesmo um pedestre, pode ocasionar lesões de natureza
grave.
A parceira com o PROCON pode
ser interessante para os órgãos ou entidades executivos de trânsito, para que
notifique os hipermercados ou estabelecimentos que comercializam as chamadas
“bicicletas motorizadas” alertando que esse tipo de veículo não existe, e sim
que o que está à venda é um ciclomotor, e para tanto, alertem os propensos
compradores que devem possuir ACC ou CNH para conduzir tal veículo pelas vias
públicas.
Portanto, entendemos que esse ponto do projeto de lei 3267/2019 não deve
prosperar em virtude de mais posicionamento contrários que a favor, todavia, é
importante nos mantermos diligentes para que a segurança viária, a preservação
da vida não venha a ser prejudicada .
Em resumo, os principais pontos acerca do assunto em tela:
1. A aprovação do projeto de lei representa um retrocesso para o Código
de Trânsito Brasileiro – CTB, e para os Municípios um problema para ser
administrado, sendo que a maior parte deles não está integrada ao Sistema
Nacional de Trânsito - SNT;
2. Existe uma demanda para veículos automotores de baixo custo de
aquisição e manutenção por parte dos cidadãos, que independe de habilitação.
O ciclo-elétrico, previsto na Resolução número 465/2015 do Conselho
Nacional de Trânsito – CONTRAN é uma opção para transitar nos centros urbanos,
para cumprir pequenas distâncias, entretanto, os custos para aquisição dos
modelos que se enquadram nesse perfil é alto, fato esse que leva a
interpretação equivocada de que veículos classificados como ciclomotores sejam
vistos como “bicicletas motorizadas”;
Independentemente da condição que o cidadão venha a ocupar no
trânsito, seja como pedestre ou condutor, não podemos abrir mão de que ele
receba uma formação de qualidade para vivenciar o meio.
É necessário que os usuários das vias, assim como os legisladores pátrios, possuam a percepção do risco que o trânsito
representa e como com suas ações eles podem contribuir para mudar isso, sem a necessidade da criação de dispositivos legais que afrouxem as regras.
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