quarta-feira, 4 de março de 2020

Na medida da segurança - ciclomotores

Tempos atrás, uma determinada montadora/importadora de veículos motorizados de duas rodas chegou a ser conhecida pela alcunha de Funerai, diante de tantas vítimas fatais que eram usuárias de seus veículos.

Era um reflexo de uma época em que o registro e licenciamento dos ciclomotores estava a cargo dos Municípios, e que portanto não o faziam pela falta de recursos, condições para isso.



O registro e licenciamento de ciclomotores pelos Estados ajudou a colocar ordem no trânsito de tais veículos. Imagem: internet.




Determinada situação durou até 2015, quando enfim uma alteração promovida no Código de Trânsito Brasileiro - CTB com a edição da lei número 13.154, restabeleceu a ordem e transferiu para os Estados essa atribuição, algo natural, a medida que eles já realizam tal função nos Departamentos Estaduais de Trânsito.

Quando isso veio a ocorrer, alguns meses depois, quem acompanhava as publicações especializadas em motociclismo, se deparava com inúmeras montadoras chinesas entre as marcas com maior número de veículos emplacados, reflexo da obrigação que não era realizada até então. 

Isso foi positivo pois colocou um pouco de organização e regras e com veículos regularizados, a possibilidade de receber uma sanção por um comportamento indevido, incentiva o respeito.

Muitos ainda tem dúvidas em relação ao que é um ciclomotor, para isso, é preciso realizar uma breve introdução: 


A luz do Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, ciclomotor compreende o veículo de duas ou três rodas, provido de um motor de combustão interna, cuja cilindrada não exceda a cinqüenta centímetros cúbicos (3,05 polegadas cúbicas) e cuja velocidade máxima de fabricação não exceda a cinqüenta quilômetros por hora. É importante destacar que através de Resolução, o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN também equiparou ao ciclomotor, veículos com motor elétrico.

Nesse sentido, o conceito abrange apenas um tipo de ciclomotor, e não utiliza como critério para diferenciação o peso, mas cilindrada e velocidade máxima.

Desde então, alguns projetos de lei buscam modificar tal situação, com propostas como isentar de habilitação, registro e licenciamento, o veículo abaixo de determinado peso, até um novo termo foi criado para isso: ciclomotores leves.

Tais projetos não vingaram, até que no processo de revisão do CTB, iniciado com o PL 3267/2019, o assunto volta a tona, com a proposta de retornar para os Municípios a obrigação de registrar, licenciar e habilitar o condutor do ciclomotor.

Argumenta o legislador na justificativa do projeto de lei que é injusto que usuários dos ciclomotores tenham que se submeter ao pagamento de taxas, licenças e emplacamento para circular, tal qual motos e carros.

Ocorre que a despeito das alegações apresentadas, elas não se sustentam tendo em vista que os condutores de tais veículos, assim como os demais, estão suscetíveis a causar ou serem vítimas de acidentes de trânsito.

Como é de conhecimento amplo, os acidentes com veículos de duas rodas lideram as estatísticas de mortes e feridos graves no trânsito brasileiro, e por mais que se queira desvencilhar durante o processo de debate legislativo o ciclomotor da motocicleta, o que de acordo com a definição do Anexo I do CTB proporciona isso é uma sutil diferença de dez quilômetros por hora, para os casos de manutenção dos cinqüenta centímetros cúbicos de cilindrada.

Muito se disse no tocante a justificativa da viabilidade da proposta, a respeito da velocidade reduzida, curtas distâncias, deslocamentos para o trabalho dentro de bairros ou pequenas cidades, entretanto, não se atentou o legislador que tal questão, notadamente em relação aos veículos providos de motor elétrico, já está pacificada pelo Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN através da Resolução número 465/2013.

A Resolução em comento estabelece que não se equipara ao ciclomotor a bicicleta dotada originalmente de motor elétrico auxiliar, bem como aquela que tiver o dispositivo motriz agregado posteriormente à sua estrutura, sendo permitida a sua circulação em ciclovias e ciclo faixas, atendidas as seguintes condições:

- Potência nominal máxima de até 350 Watts;
- Velocidade máxima de 25Km/h;
- Serem dotadas de sistema que garanta o funcionamento do motor somente quando o condutor pedalar;
- Não dispor de acelerador ou de qualquer outro dispositivo de variação manual de potência;
                                  - Estarem dotadas de:
                                   a) Indicador de velocidade;
                                   b) Campainha;
                             c) Sinalização noturna dianteira, traseira e lateral;
                                   d) Espelhos retrovisores em ambos os lados;
                                      e) pneus em condições mínimas de segurança.
                                      - Uso obrigatório de capacete de ciclista.

Portanto, de acordo com a Resolução para transitar sem a necessidade de registro, licenciamento ou habilitação existe o ciclo elétrico, que como não são considerados veículo automotores, independem do cumprimento de regras inerentes a eles e sem a necessidade de uma nova classificação para o ciclomotor.

A despeito da argumentação de que a grande maioria dos usuários são pessoas de baixa renda, incapazes de cumprir as exigências apresentadas no ordenamento, esse público não deixa de estar imune aos riscos que a condução de um veículo automotor representa.

Ainda que conceitualmente a velocidade máxima permitida para o ciclomotor não exceda a cinqüenta quilômetros por hora, velocidade essa que reforçamos, os riscos de lesões graves e até mesmo óbitos são elevados, lembrando que em caso de atropelamento, por exemplo, a 50Km/h, 55% (cinqüenta e cinco por cento) dos pedestres ficam feridos, 45% (quarenta e cinco por cento) morrem e apenas 5% (cinco por cento) saem ilesos.

O atual código internacional de doenças – CID utilizado para catalogar as vítimas de acidentes não contempla os ciclomotores, apenas motocicletas e seus passageiros, portanto o número de óbitos do modo de transporte se encontra entre as mais de doze mil e trezentas vítimas fatais em veículos de duas rodas.

Nesse sentido, retornar a situação anterior é algo inadmissível, e que irá representar economia para o usuário, no entanto, com custos altíssimos para a sociedade no quesito saúde pública e previdência social.

O apelo desses produtos junto à população de baixa renda é muito forte, e necessita de uma atenção especial, pois sua utilização está aumentando a cada dia (tanto que quando uma delas transita por nós, já não nos causa espanto), e o risco de acidentes nas ciclovias, nas localidades em que elas existem aumenta na mesma proporção.

Ademais, novamente reforçamos que o impacto de uma dessas “bicicletas motorizadas” com um ciclista comum ou mesmo um pedestre, pode ocasionar lesões de natureza grave.

A parceira com o PROCON pode ser interessante para os órgãos ou entidades executivos de trânsito, para que notifique os hipermercados ou estabelecimentos que comercializam as chamadas “bicicletas motorizadas” alertando que esse tipo de veículo não existe, e sim que o que está à venda é um ciclomotor, e para tanto, alertem os propensos compradores que devem possuir ACC ou CNH para conduzir tal veículo pelas vias públicas.

Portanto, entendemos que esse ponto do projeto de lei 3267/2019 não deve prosperar em virtude de mais posicionamento contrários que a favor, todavia, é importante nos mantermos diligentes para que a segurança viária, a preservação da vida não venha a ser prejudicada .

Em resumo, os principais pontos acerca do assunto em tela:

1. A aprovação do projeto de lei representa um retrocesso para o Código de Trânsito Brasileiro – CTB, e para os Municípios um problema para ser administrado, sendo que a maior parte deles não está integrada ao Sistema Nacional de Trânsito - SNT;

2. Existe uma demanda para veículos automotores de baixo custo de aquisição e manutenção por parte dos cidadãos, que independe de habilitação.

O ciclo-elétrico, previsto na Resolução número 465/2015 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN é uma opção para transitar nos centros urbanos, para cumprir pequenas distâncias, entretanto, os custos para aquisição dos modelos que se enquadram nesse perfil é alto, fato esse que leva a interpretação equivocada de que veículos classificados como ciclomotores sejam vistos como “bicicletas motorizadas”;

Independentemente da condição que o cidadão venha a ocupar no trânsito, seja como pedestre ou condutor, não podemos abrir mão de que ele receba uma formação de qualidade para vivenciar o meio.

É necessário que os usuários das vias, assim como os legisladores pátrios, possuam a percepção do risco que o trânsito representa e como com suas ações eles podem contribuir para mudar isso, sem a necessidade da criação de dispositivos legais que afrouxem as regras.



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