sexta-feira, 7 de junho de 2019

Sangue nas Vias


Em ato acompanhado pela imprensa, o Poder Executivo entregou ao Presidente da Câmara dos Deputados, o projeto de lei número 3.267/2019, que visa alterar o Código de Trânsito Brasileiro – CTB.



Projeto de Lei visa ser mais tolerante com quem comete infrações de trânsito.


Por tudo que propõe, em especial a tão comentada disposição em apenas penalizar com advertência por escrito quem transporta criança sem utilizar dispositivo de retenção adequada à idade delas, determinada propositura poderia bem ser chamada de projeto Mata Criança, ou projeto Sangue nas Vias essa segunda denominação diante da possibilidade de dobrar o valor da pontuação para que o condutor tenha o direito de dirigir suspenso.

Dos atuais 20 pontos, pela proposta, ele passaria para 40 pontos, sendo que para condutores das categorias C, D e E, por conta da possibilidade de participação em curso de reciclagem preventiva, pode chegar a 70 pontos.

Que algo viria, todos esperávamos, mas com tamanha disposição para quebrar a situação atual, notadamente a questão do transporte de crianças, ninguém esperava.

É certo que determinada propositura encontrou eco na sociedade brasileira. 

Uma sociedade que a anos anseia por mudanças, mas que espera isso apenas de seus governantes, que diz não tolerar corrupção, desvios de condutas, mas, não pode transitar em uma via com equipamento medidor de velocidade que entende isso como uma forma de arrecadação, de se auferir renda, um item da proclamada "indústria de multas", que não existe.

Por ano o país produz números de mortos no trânsito similares aos de conflitos armados ao redor do mundo, superiores a população de muitas cidades brasileiras, isso sem contar as pessoas que ficam permanentemente sequeladas em decorrência de tais eventos.

Os acidentes de trânsito no Brasil são tantos, que praticamente nem causam mais comoção na sociedade, exceto quando a vítima é uma pessoa famosa ou o veículo transportava pessoas jovens a caminho de uma universidade ou de um passeio.

Temos a proeza de produzir um MORTO no trânsito a cada 15 minutos, deixar uma pessoa permanentemente sequelada por minuto.

Mas, aos olhos da população média, tudo bem, isso nunca irá acontecer com eles, mesmo que transitem em excesso de velocidade o tempo todo, não utilizem o cinto de segurança em trajetos curtos ou no banco traseiro, ou ainda, enquanto transitam e manuseiam o Smartphone. Afinal de contas, acidentes de trânsito só acontecem com os outros.

É certo que um projeto de lei que propõe dobrar a pontuação para aplicação da suspensão do direito de dirigir, afrouxar a fiscalização pelo uso da cadeirinha, aumenta o prazo de renovação do exame médico e de aptidão física para dez anos para condutores até 65 anos, retira a obrigatoriedade dos faróis acesos em todas as rodovias dentre outros pontos, iria chamar a atenção da comunidade técnica.

Quem milita na área e se aprofundou um pouco no tema, sabe que tais medidas não agregam para a segurança viária, pelo contrário, podem até agravar ainda mais a situação.

É importante relembrar que por ordem do mesmo mandatário, a implantação/renovação de contratos de equipamentos medidores de velocidade em rodovias federais foi suspensa, e está se aventando a possibilidade de retirar das vias os equipamentos do tipo portátil, utilizados pela Polícia Rodoviária Federal – PRF e que diariamente nos mostra os abusos flagrados nas rodovias de norte a sul do país.

Diante da manifestação dos técnicos da área, parte da sociedade, habituada a não ter respeito por nada e por ninguém em nome de uma chamada liberdade de pensamento, e que contribui para a situação atual que o país se encontra em vários aspectos, passou a ofender o trabalho sério desenvolvido com vistas à proporcionar segurança para todos.

Infelizmente se esquecem que as ações do técnicos, as opções do que deve ou não ser colocado em prática nas vias públicas, não é algo exclusivo deles, mas sim, está sujeito em boa parte à atender demandas de políticos eleitos pela sociedade, alguns deles hoje no atual Parlamento. 

No trânsito, se costuma dizer que o problema maior é o eleitor, e ninguém quer desagradar esse público, ainda mais quando não se tem notícias positivas para dar de onde ele mais anseia, como nas áreas de emprego e renda, e ainda correndo o risco de ter diminuído os benefícios para obter a tão almejada aposentadoria.

Basta transitar em qualquer cidade que será possível identificar ondulações transversais implantadas em locais sem real necessidade, ou mesmo para tentar incentivar que moradores do bairro não se matem em decorrência de pisar demais o pé no acelerador.

Para ilustrar ainda mais esse ponto, quantos não são os loteamentos fechados ou condomínios que precisam se recorrer de ondulações transversais nas vias internas para tentar conter a ânsia por velocidade dos moradores daquela comunidade intramuros. O que dizer então das vias de uma cidade, de rodovias estaduais ou federais pelo país?

Fechar os olhos para a problemática do trânsito, dos efeitos que ele representa para todos é estar distante da realidade, é achar que está longe de ser contemplado na macabra loteria da morte do trânsito brasileiro, quando na verdade, ela está mais próxima do que se imagina.

Os dados estão aí, e apontam que parte dos acidentes fatais acontecem em distancias de até dois quilômetros da casa das vítimas, locais esses em que existe um suposto controle da situação.

Bom seria se de fato as pessoas ao transitar tivessem a prudência o tempo todo como companhia, como quer fazer crer o nobre mandatário, no entanto, a realidade das vias é bem distante disso.

Em uma tarde de quinta-feira, no horário de pico, uma simples observação do trânsito, em uma cidade com aproximados 700 mil habitantes e que naquela região concentra pouco mais de 100 mil deles, foi o suficiente para notar o tanto de desrespeito que temos.

Condutores sem cinto de segurança, crianças soltas no interior do veículo, avanço deliberado do sinal vermelho, conversões proibidas, veículos a transitar na calçada, dentre outros foram itens observados em poucos minutos.

Se com um limite de vinte pontos no prontuário, infração gravíssima por não transportar crianças em dispositivos de retenção já é assim, o que esperar se eventualmente o projeto Mata Criança ou Sangue nas Vias, fica a seu critério a denominação, vier a ser aprovado?

Das crianças que morrem hoje no trânsito do Brasil, 40% estavam na condição de ocupantes de veículos. Essa é a principal causa de morte desse público no país. Vamos aceitar que isso permaneça ou até venha a aumentar?

Que o Congresso Nacional tenha o discernimento necessário para o bem do povo brasileiro, pois sem infrações, não há multas, e se há acidentes em profusão, é porque ocorreram infrações, afinal de contas, acidentes de trânsito são infrações que deram errado!



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