Em ato acompanhado pela imprensa, o Poder Executivo entregou
ao Presidente da Câmara dos Deputados, o projeto de lei número 3.267/2019, que
visa alterar o Código de Trânsito Brasileiro – CTB.
Projeto de Lei visa ser mais tolerante com quem comete infrações de trânsito.
Por tudo que propõe, em especial a tão comentada disposição
em apenas penalizar com advertência por escrito quem transporta criança sem
utilizar dispositivo de retenção adequada à idade delas, determinada
propositura poderia bem ser chamada de projeto Mata Criança, ou projeto Sangue
nas Vias essa segunda denominação diante da possibilidade de dobrar o valor
da pontuação para que o condutor tenha o direito de dirigir suspenso.
Dos atuais 20 pontos, pela proposta, ele passaria para 40
pontos, sendo que para condutores das categorias C, D e E, por conta da
possibilidade de participação em curso de reciclagem preventiva, pode chegar a 70 pontos.
Que algo viria, todos esperávamos, mas com tamanha
disposição para quebrar a situação atual, notadamente a questão do transporte
de crianças, ninguém esperava.
É certo que determinada propositura encontrou eco na
sociedade brasileira.
Uma sociedade que a anos anseia por mudanças, mas que
espera isso apenas de seus governantes, que diz não tolerar corrupção, desvios
de condutas, mas, não pode transitar em uma via com equipamento medidor de
velocidade que entende isso como uma forma de arrecadação, de se auferir renda, um item da proclamada "indústria de multas", que não existe.
Por ano o país produz números de mortos no trânsito
similares aos de conflitos armados ao redor do mundo, superiores a população de
muitas cidades brasileiras, isso sem contar as pessoas que ficam permanentemente
sequeladas em decorrência de tais eventos.
Os acidentes de trânsito no Brasil são tantos, que
praticamente nem causam mais comoção na sociedade, exceto quando a vítima é uma
pessoa famosa ou o veículo transportava pessoas jovens a caminho de uma
universidade ou de um passeio.
Temos a proeza de produzir um MORTO no trânsito a cada 15
minutos, deixar uma pessoa permanentemente sequelada por minuto.
Mas, aos olhos da população média, tudo bem, isso nunca irá
acontecer com eles, mesmo que transitem em excesso de velocidade o tempo todo,
não utilizem o cinto de segurança em trajetos curtos ou no banco traseiro, ou
ainda, enquanto transitam e manuseiam o Smartphone. Afinal de contas, acidentes
de trânsito só acontecem com os outros.
É certo que um projeto de lei que propõe dobrar a pontuação
para aplicação da suspensão do direito de dirigir, afrouxar a fiscalização pelo
uso da cadeirinha, aumenta o prazo de renovação do exame médico e de aptidão
física para dez anos para condutores até 65 anos, retira a obrigatoriedade dos
faróis acesos em todas as rodovias dentre outros pontos, iria chamar a atenção
da comunidade técnica.
Quem milita na área e se aprofundou um pouco no tema, sabe
que tais medidas não agregam para a segurança viária, pelo contrário, podem até
agravar ainda mais a situação.
É importante relembrar que por ordem do mesmo mandatário, a implantação/renovação
de contratos de equipamentos medidores de velocidade em rodovias federais foi
suspensa, e está se aventando a possibilidade de retirar das vias os
equipamentos do tipo portátil, utilizados pela Polícia Rodoviária Federal – PRF
e que diariamente nos mostra os abusos flagrados nas rodovias de norte a sul do
país.
Diante da manifestação dos técnicos da área, parte da
sociedade, habituada a não ter respeito por nada e por ninguém em nome de uma
chamada liberdade de pensamento, e que contribui para a situação atual que o
país se encontra em vários aspectos, passou a ofender o trabalho sério
desenvolvido com vistas à proporcionar segurança para todos.
Infelizmente se esquecem que as ações do técnicos, as opções
do que deve ou não ser colocado em prática nas vias públicas, não é algo
exclusivo deles, mas sim, está sujeito em boa parte à atender demandas de
políticos eleitos pela sociedade, alguns deles hoje no atual Parlamento.
No trânsito, se costuma dizer que o problema maior é o eleitor, e ninguém quer desagradar esse público, ainda mais quando não se tem notícias positivas para dar de onde ele mais anseia, como nas áreas de emprego e renda, e ainda correndo o risco de ter diminuído os benefícios para obter a tão almejada aposentadoria.
Basta transitar em qualquer cidade que será possível
identificar ondulações transversais implantadas em locais sem real necessidade,
ou mesmo para tentar incentivar que moradores do bairro não se matem em
decorrência de pisar demais o pé no acelerador.
Para ilustrar ainda mais esse ponto, quantos não são os
loteamentos fechados ou condomínios que precisam se recorrer de ondulações
transversais nas vias internas para tentar conter a ânsia por velocidade dos
moradores daquela comunidade intramuros. O que dizer então das vias de uma
cidade, de rodovias estaduais ou federais pelo país?
Fechar os olhos para a problemática do trânsito, dos efeitos
que ele representa para todos é estar distante da realidade, é achar que está
longe de ser contemplado na macabra loteria da morte do trânsito brasileiro,
quando na verdade, ela está mais próxima do que se imagina.
Os dados estão aí, e apontam que parte dos acidentes fatais
acontecem em distancias de até dois quilômetros da casa das vítimas, locais
esses em que existe um suposto controle da situação.
Bom seria se de fato as pessoas ao transitar tivessem a
prudência o tempo todo como companhia, como quer fazer crer o nobre mandatário,
no entanto, a realidade das vias é bem distante disso.
Em uma tarde de quinta-feira, no horário de pico, uma
simples observação do trânsito, em uma cidade com aproximados 700 mil
habitantes e que naquela região concentra pouco mais de 100 mil deles, foi o
suficiente para notar o tanto de desrespeito que temos.
Condutores sem cinto de segurança, crianças soltas no
interior do veículo, avanço deliberado do sinal vermelho, conversões proibidas,
veículos a transitar na calçada, dentre outros foram itens observados em poucos
minutos.
Se com um limite de vinte pontos no prontuário, infração
gravíssima por não transportar crianças em dispositivos de retenção já é assim,
o que esperar se eventualmente o projeto Mata Criança ou Sangue nas Vias, fica a seu critério a denominação, vier a
ser aprovado?
Das crianças que morrem hoje no trânsito do Brasil, 40% estavam na condição de ocupantes de veículos. Essa é a principal causa de morte desse público no país. Vamos aceitar que isso permaneça ou até venha a aumentar?
Que o Congresso Nacional tenha o discernimento necessário
para o bem do povo brasileiro, pois sem infrações, não há multas, e se há
acidentes em profusão, é porque ocorreram infrações, afinal de contas,
acidentes de trânsito são infrações que deram errado!